segunda-feira, 6 de julho de 2009

Travesti cubana que fez história na cena teatral de SP abre sua casa em projeto do Sesc

Visite Phedra
25/6/2009

Travesti cubana que fez história na cena teatral de SP abre sua casa em projeto do Sesc

Por Rodolfo Lima



Para os habitues dos teatros da Praça Roosevelt, Phedra é uma figura carimbada, integrante do grupo teatral Os Satyros, e rendeu ao grupo histórias para montagens como "Transex" e "A Vida na Praça Roosevelt". Phedra é uma travesti cubana que vive há 54 anos no Brasil e uma década deste tempo destinada ao grupo curitibano que revitalizou a praça, que continha entre outras pessoas, vários travestis.

Você tem quatro dias para adentrar o minúsculo apartamento de Phedra, dentro do projeto X Moradias, projeto do Sesc em Parceria com o Instituto Goethe. A idéia é simples - três roteiros dão conta de performances e manifestações artísticas dentro da casa de pessoas comum - a dinâmica nem tanto.

Ao adquirir um ingresso você pode escolher três trajetos: 1 - Higienópolis/ Santa Cecilia, 2 - Vila Buarque/República e 3 - Consolação/Bela vista, todos eles com previsão de duração de 135 minutos. O curioso é que você faz o trajeto a pé. O projeto já passou por cidades como Berlim, Duisburg, Istambul e Caracas e tem como objetivo mesclar ficção e realidade, teatro e cotidiano em performances aparentemente sem pretensões. É uma ode ao vouyerismo. Entre desconhecidos e pessoas do gueto teatral na ficha técnica, você pode encontra nomes como Lenise Pinheiro, Enrique Diaz, Daniela Thomaz e a própria Phedra.

Pois bem, o jornalista pode acompanhar o ensaio aberto para convidados na última terça (23) e "ganhou" a oportunidade de fazer o roteiro de número dois. Roteiro esse que inclui uma vista privilegiada do terraço do Edificio Copan, da Praça Roosevelt, além do - infelizmente - destruído Teatro Cultura Artística.

No primeiro nos deparamos com um construtor de maquetes e é sugerido ao público que tente dialogar com ele. A comunicação não é possível, ele rejeita a interação e entre os diálogos concebidos pelos alemães Christiane Dellbrügge e Ralf de Moll há frases como: O contexto é a própria memória de cada um. Ou seja, a comunicação se faz primeiro nas suas referências pessoais, para então poder ser dividida com outra pessoa.

O apartamento da Roosevelt que o público pode visitar já foi um antigo flat usado por homens e mulheres para a prostituição numa época onde a praça era usada para trafico de drogas, roubos e prostituição. O mais fetichento dos locais visitados proporciona a você entrar no charmoso apartamento de Eliete Jeremias, no 23° andar. Com fones no ouvido ouvimos - numa gravação impecável - as (possíveis) histórias ocorridas naquele local, enquanto exploramos os cômodos da casa.

A mais cômica das performances é a executada pelo vendedor de seguros Cledson Alcides da Silva. Num apartamento esvaziado vemos o "ator" lendo sua fala em diversos objetos do local. Na mesa, no guarda-roupa, no teto, na pia do banheiro e por ai vai. Justamente a mais questionadora performance do "fazer teatral" proporciona ao público uma triste visão. Do sétimo andar do prédio é possível ver as ruínas do Teatro Cultura Artística. Essa opção metalinguística faz toda a diferença enquanto ouvimos um homem que se diz cruel revelar suas frustrações.

É provavelmente o roteiro mais alternativo. Ao nos depararmos em frente ao prédio da travesti cubana, folheamos uma pasta com recortes da artista com manchetes do tipo: "O homem que se tornou mulher", enquanto somos obrigados a colocar luvas cirúrgicas para adentrar o lar de Phedra, que recebe os visitantes sentada na própria cama. O jogo teatral é proposto ao público que "disputa" uma vaga de faxineiro no local. Phedra conversa com o criador da proposta o turco Nurkan Erpulat enquanto somos orientados por Diogo Moura. O único “senão” da proposta é não sermos recebidos pela própria Phedra – que está ali, no papel de diva absoluta. Não há uma interação direta com a travesti, - o que não deixa de ser uma pena, pois o que seria dos homofóbicos receber ordens de uma travesti? - que só quebra o gelo, no final, quando pergunta a mim se já vi alguma peça em que ela atua. Quando cito o nome de duas peças, ela se gaba: são sobre minha história.


O roteiro é completado com uma visita a uma moradia - temporária - de 300 famílias(?) que foram expulsas de um prédio no centro da cidade. É o local mais constrangedor de se visitar, porque você adentra o universo do outro para ver a miséria estampada na sua cara. Os integrantes da FLM - Frente de Luta por Moradia são receptivos e Cátia - uma das moradoras explica o que fazem ali, os porquês e o que reivindicam. Sim é de apertar o coração. Cátia explica: somos pobres, mas não moradores de rua, temos emprego, apenas queremos poder comprar um lugar para morar com as condições que temos.


Entre as quase 600 pessoas que dormem amontoadas e fazem parte da movimento há uma única travesti. Reparo nele num canto, arrumado, pernas cruzadas. Háncia - ele soletra cuidadosamente seu nome - tem 35 anos, já fez a pista, desistiu da profissão, hoje cursa a 4° série e vive do Bolsa Estudo - uma ajuda do governo para os que voltaram a estudar. Ao ser questionada sobre a convivência com os outros moradores, pausadamente me explica. "Erámos dois, o outro desistiu. No começo eles me deixavam sozinho num canto, isolado. Mas persisti e eles me aceitaram. Pois viram que sou uma pessoa séria, respeitador e quando perceberam isso me incluíram. Me sinto muito bem aqui com eles. Agradeço a Deus, eu os respeito e sou respeitada. Me comunico e sou humilde", esclarece sorridente.


Se deparar com os lares precários de Phedra e Háncia não é fácil, mais uma vez a realidade das travestis vem à tona sem maquiagem ou retoques de glamour. O projeto alemão alavancado pelo Sesc vale pelo ineditismo. Vá preparado para eventuais atrasos e leve uma máquina na bolsa, o topo do Edifício Copan irá encher seus olhos é o maior símbolo da urbanidade da cidade.


E se você nunca adentrou o apartamento de uma travesti, eis sua chance. Não vou revelar aqui o que acontece dentro do local para não estragar a singela e melancólica surpresa. Eu - por exemplo - não efetuei a tarefa que me foi estipulada, por precariedades no apartamento.


Arrisque o trajeto, é uma ótima escapada da rotina. São aproximadamente 2 km . Caso for muito tímido, vá acompanhado com um amigo. Todo o trajeto é feito em duplas e caso você esteja sozinho o fará com um desconhecido, que - curiosamente - no decorrer do trajeto - parece ser mais próximo de ti do que realmente é.


E se por acaso as moradias de Phedra e Háncia ficar na sua memória, reproduzo aqui o trecho de um dos textos utilizados numa das performances. "... eu não quero dar a vocês a impressão que não estou feliz. Ou até que a felicidade não me visita. Na verdade, estou na rua. Mantenho o ritmo". Que assim seja.

Obs: das cincos moradias visitadas duas exibiam - uma na sala e outra na cama - a edição da JUNIOR 11

Foto: Reprodução

Fonte: MixBrasil

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