sexta-feira, 10 de julho de 2009

Evento no Rio comemora 10 anos de resolução que impede "cura" de gays

Evento no Rio comemora 10 anos de resolução que impede "cura" de gays
Por Eduardo Peret* 8/7/2009 - 16:45



Um auditório cheio, participações entusiasmadas do público e rodas de conversa sobre temas polêmicos marcaram a abertura do evento "Psicologia e Diversidade Sexual: assim se passaram dez anos...", promovido pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), no prédio da Associação Brasileira de Imprensa, na Cinelândia, nos dias 26 e 27 de junho.

O encontro marca a celebração do 10º aniversário da Resolução 001/99, que proíbe os profissionais de Psicologia e Psicanálise de oferecerem tratamentos e "cura" para a homossexualidade. Além disso, apresentou os resultados de um ano de atividades do Grupo de Trabalho "Psicologia e Diversidade Sexual" da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ.

Na mesa de abertura, as falas eram de congratulações e agradecimentos. O presidente do CRP-RJ, José Novaes, saudou as convidadas Marjorie Macchi, presidente da Associação de Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro (Astra-Rio) e Yone Lindgren, coordenadora do Movimento Dellas e vice-presidente da ABGLT.

Marjorie Macchi disse estar sempre muito grata em participar dos eventos do CRP-RJ porque, logo após a criação da Astra-Rio, há seis anos, o Conselho tinha sido a primeira instituição a convidar a Associação para eventos e parcerias. "A Resolução 001/99 é uma das ações mais importantes para a comunidade LGBT brasileira nos últimos 20 anos", afirmou, acrescentando que "antes, quando um pai ia procurar um profissional para falar sobre seu filho gay, sua filha lésbica, o psicólogo tratava do caso como uma doença. Hoje, ele vai orientar o filho no caminho do fortalecimento de sua identidade e, mais importante, vai ajudar a família a aceitá-lo e acolhê-lo".

Yone Lindgren chamou a atenção para a importância da parceria: "Se não tivéssemos os CRPs e o Conselho Federal do nosso lado, nessa luta cotidiana, muitas pessoas como nós, especialmente aquelas ainda no armário, já teriam enlouquecido".

Pedro Paulo Bicalho, presidente de Grupo de Trabalho "Psicologia e Diversidade Sexual", falou sobre a história da Resolução. "Há 10 anos, surgiu uma clínica no Espírito Santo que oferecia uma cura para a homossexualidade. Após algumas denúncias, os Conselhos de Psicologia se reuniram para determinar uma posição oficial sobre o assunto. Assim nasceu a 001/99", conta.

Ele comentou ainda sobre a data escolhida: "Não é a toa que estamos aqui hoje, dia 26 de junho, Dia Mundial do Enfrentamento à Tortura, a dois dias do Dia Mundial do Orgulho LGBT e do 40º aniversário do Levante de Stonewall. Esse fim de semana será muito significativo para todo mundo aqui." Pedro Paulo ainda levantou uma dúvida para reflexão. "Por que ainda precisamos de uma Resolução? Por que somente o ensino da Psicologia e a prática profissional não são suficientes para garantir que se entenda que a homossexualidade não é doença nem desvio?"

Projetos de lei, travestis e religiões em pauta

Em vários momentos do evento, foram lembradas as ações dos Conselhos de Psicologia na luta pela dignidade da população LGBT. No Rio de Janeiro, por exemplo, em 2004, tramitava na Assembleia Legislativa um projeto de lei para oferecer apoio e cura às pessoas que, voluntariamente, quisessem abandonar a homossexualidade. "Era um grande atrevimento! Além de se apoderarem da Psicologia daquela forma, ainda queriam usar o dinheiro público para pagar por isso", lembrou Pedro Paulo. Foi com muita alegria que viu o projeto ser derrubado com uma ampla margem, depois que parlamentares fizeram discursos contra a ideia, usando a 001/99 como argumento.

A estrutura do encontro foi dividida em mesas de debates e rodas de conversa. Estas foram as mais animadas, com grande participação do público formado por psicólogos, psicanalistas, profissionais de áreas afins, militantes e estudantes. Foram abordados temas bastante polêmicos, como a adoção homoparental, a diversidade sexual no sistema carcerário e a relação entre psicologia, homossexualidade e religião no Brasil.

Na roda de conversa "Diversidade Sexual e Psicoterapia", Márcia Áran, do Instituto de Medicina Social da UERJ, fez comentários sobre os problemas das travestis e transexuais que procuravam o SUS para acompanhamento e também para a cirurgia de redesignação genital. "Teoricamente, após dois anos de tratamento, a pessoa poderia ter acesso à cirurgia, mas não é o que acontece. Devido à fila imensa, a paciente pode ficar no acompanhamento por até seis, sete anos", explicou, acrescentando que um dos maiores problemas estava no início do processo.

Um dos requisitos para fazer a cirurgia (que ainda é considerada experimental) é um laudo com o diagnóstico de transtorno de gênero. Isso, na opinião de Márcia, já constitui um desrespeito e uma violência contra a pessoa, que tem que ser considerada doente para receber o atendimento. "O que há, na realidade, é uma ampla variedade de possibilidades na relação entre sexo, gênero e desejo. É preciso que a abordagem seja singular, voltada para as particularidades de cada indivíduo. Nosso horizonte é a auto-determinação de gênero, mas isso ainda não é o que acontece", afirmou.

O debate sobre as identidades de gênero e possibilidades de sexualidade foi animado. Houve um consenso geral de que práticas como a pedofilia devem ser condenadas e é preciso que a posição do CRP seja bem clara nesse sentido. Uma das falas ressaltou que o princípio do consentimento (e da capacidade de dar esse consentimento) já seria um bom viés para resolver essa questão.

Na roda de conversa sobre religiosidade, o professor Acyr Maia, da UNIABEU, alertou para os perigos da mistura que se faz entre a ciência e a religião no senso comum. "Quando vi um livro chamado 'Jesus, o maior psicólogo que já existiu', tomei um susto", disse. Para ele é preciso pensar claramente o que se entende por espiritualidade, religião e religiosidade. "Manifestar uma coisa não implica participar da outra". Também criticou algumas igrejas que se dizem "inclusivas", mas que só incluem pessoas LGBT que se adéquam ao modelo heteronormativo da união estável. "Mas, ainda mais complicado é o que acontece com as não-inclusivas, que trabalham com o conceito de 'evangelização transformadora', quase um processo de pretensa 'cura' da diversidade", completou.

O professor Luis Felipe Nascimento falou da pesquisa realizada por sua equipe na UFPE, sobre como as religiões lidam com a epidemia de Aids e, por extensão, com a diversidade sexual. "O discurso católico, por exemplo, vem travestido de modernidade, mas se fundamenta nos textos do apóstolo Paulo, para quem a 'carne' é a maior antagonista do crescimento espiritual. É um discurso que valoriza o sexo reprodutivo, com o mínimo de prazer possível. Às vezes, até usam trechos da Psicanálise para falar de desejo", afirmou, lembrando que os textos bíblicos se baseiam na separação entre os sexos e na ideia de que "nascemos masculinos e femininos e isso seria imutável. Sabemos que não é assim que funciona, mas é como eles veem o assunto".

Inevitavelmente, foi citado o nome de Rosângela Justino, psicóloga que está para ser julgada pelo CFP por oferecer uma "cura" para a homossexualidade. Vários comentários foram feitos, tanto a favor da cassação do seu registro profissional, quanto sobre o perigo das movimentações políticas em favor da desregulamentação de práticas terapêuticas - o que poderia permitir que ela continuasse a oferecer uma "cura" sob o viés religioso. O grande problema, segundo um consenso geral, é a associação direta que alguns profissionais fazem entre a Psicologia e as suas convicções religiosas pessoais, além da tentativa constante de manter a tese de que a homossexualidade seria um "comportamento adquirido" e poderia, por isso, ser "revertida".

Gran Finale

Na mesa de encerramento, foram apresentados relatos sobre as ações recentes dos Conselhos de Psicologia na questão LGBT. O Grupo de Trabalho "Psicologia e Diversidade Sexual", criado em 2008, termina suas atividades neste ano, com a proposta de uma Comissão Regional específica para as questões de gênero e sexualidade. Segundo Pedro Paulo, o GT teve um ano muito agitado. "Com um mês de existência, fizemos nosso primeiro encontro nacional. Precisávamos saber o que os outros CRPs estavam fazendo, o que já tinham produzido".

O GT também fez oficinas, conseguiu do Conselho Federal a criação de um Grupo de Trabalho Nacional sobre o assunto, participou de eventos de outras instituições (inclusive da Conferência Estadual LGBT) e de várias Paradas. "Eu fiz um discurso no primeiro carro da Parada do Rio. Foi a primeira vez que me dirigia a um milhão de pessoas. Devo ter gaguejado e me repetido demais. Fizeram um vídeo, mas eu nem vi até hoje", confessou, causando risadas na plateia.

Por fim, ele lembrou que, por intermédio do GT, o CRP-RJ tinha assento na Comissão Estadual de Direitos LGBT do Rio de Janeiro. "É uma honra, estamos muito felizes. Agora, pretendemos intensificar nossas atividades ainda mais", comentou.


Fonte: A Capa


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