domingo, 3 de maio de 2009

Contardo Calligaris estreia no teatro com "O Homem da Tarja Preta"

Contardo Calligaris estreia no teatro com "O Homem da Tarja Preta"

LUCAS NEVES
da Folha de S.Paulo

A crise de identidade, mote do psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris, 60, em sua estreia como dramaturgo, estava na raiz do texto que primeiro o atraiu ao teatro.

Aos 18 anos, em Milão, ele acompanhou os ensaios de uma montagem de "O Jardim das Cerejeiras", de Anton Tchecov (1860-1904), flagrante da derrocada financeira e de valores da aristocracia rural russa no começo do século 20.

Calligaris substitui a aflição de uma classe pela angústia de um sujeito comum em "O Homem da Tarja Preta", que estreia hoje (para convidados), em São Paulo.

Se os russos batalhavam contra a perda de prestígio, o Ricardo (interpretado por Ricardo Bittencourt) de agora se digladia com seus desejos.

Casado e pai de duas crianças, ele vira noites no escritório de sua casa, conectado a chats em que assume máscaras femininas para dar vazão a desejos represados.

Ao longo da madrugada insone em que transcorre a ação, o personagem retraça seu histórico sexual e tenta montar o quebra-cabeça da própria libido. Lembranças das "explicações" dadas por analistas para suas taras pontuam o testemunho, no que parece uma longa sessão de autopsicanálise. Homem trágico "O que ocorre hoje é que os grandes estereótipos em torno dos quais a masculinidade se estruturou, como o papel de provedor, entraram em crise. Por que características o homem contemporâneo se reconhece?", indaga Calligaris, para logo completar:

"A feminilidade se reconhece por dar à luz. Já a posição do homem é mais trágica e perigosa. Talvez matar seja sua particularidade, aquilo de que se vale para ser levado a sério", sugere, citando os atiradores, sempre do sexo masculino, que fazem chacinas em escolas/universidades, como ocorreu há uma semana, na Alemanha.

Para Calligaris, a orientação sexual de Ricardo importa menos do que a sua dúvida quanto ao que seja a real masculinidade, o papel que se espera que um homem desempenhe:

"No fundo, a sua vontade é viver normalmente com a mulher e os filhos. Ele se força a ser a puta da internet [seu apelido no chat é CrossDresserPutaSubSP] para ser alguém, ter uma segunda identidade. Precisa dessa coisa louca", observa.

Na direção, Bete Coelho diz que tentou "namorá-los [autor e ator]". "Busquei me aproximar deles, ver por seus olhos, mais do que emprestar um olhar feminino.

Saber que existem essas possibilidades de fantasia para o homem e questões tão ou mais complexas do que as femininas amplia a percepção --e a paciência com eles", brinca.

O HOMEM DA TARJA PRETA
Quando: estreia hoje (para convidados); qui. e sex., às 21h; até 19/6
Onde: teatro Eva Herz (na Livraria Cultura do Conjunto Nacional - av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/3170-4059)
Quanto: R$ 20
Classificação: não indicada a menores de 16 anos

Fonte: Folha Online

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