quarta-feira, 13 de maio de 2009

Homens de calcinha e homens que gostam de vê-los são mais comuns do que se imagina - sem que isso signifique abrir mão da masculinidade











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Exocet calcinha!


Homens de calcinha e homens que gostam de vê-los são mais comuns do que se imagina - sem que isso signifique abrir mão da masculinidade

Por João Marinho* 20/6/2008 - 17:45


Uma calcinha, pra chamar de minha;
Um baby-doll, pra sair ao sol;
Um sutiã, pra pôr amanhã;
Meia rendada, pra ficar ousada!
(Autor desconhecido)

Era tarde de um sábado ensolarado quando Felipe Júnior**, 29 anos, saiu de casa para um encontro sexual. Ele tinha um perfil ousado em um site de paquera e, dias antes, havia recebido uma mensagem do usuário Gustavo. Estava curioso - afinal, Gustavo se dizia hétero. Trocaram MSN e marcaram, mas não sem antes Gustavo fazer um "pedido exótico". Era a primeira vez que pediam aquilo a Felipe, mas ele atendeu. Por isso, a camiseta e o jeans escondiam um bumbum recém-depilado - e uma calcinha branca bem cavada, que ele havia "tomado emprestado" da irmã...

Calcinhas para todos

Achou estranho? Pois homem de calcinha é um fetiche bem mais freqüente do que pensamos. Ocorre entre pessoas de todas as orientações sexuais, e há vários "níveis" de elaboração: enquanto, para alguns, só a calcinha basta, outros "turbinam" o look com sutiãs, meias-calças, camisolas e até com saias, blusinhas ou maquiagem.

Felipe conta que, depois da experiência, outros rapazes pediram a mesma coisa. Gustavo se identificava como hétero, daqueles "liberais" - mas nosso aventureiro também usou lingerie para um bissexual, três gays e, depois, para outro hétero. Também houve evolução no vestuário. Depois da calcinha branca roubada, que ele já devolveu, permitiu-se usar baby-doll, sutiã e até desfilar de meia-calça num sex club.

Hoje, o moço mantém uma pequena coleção de quatro calcinhas, uma das quais comprou com a consultoria de um amigo. Três, ele adquiriu de uma amiga que vende lingerie. Aliás, uma amiga que já ornamentou o próprio namorado com uma de suas peças.

Destacar as orientações sexuais e os tipos de relacionamento é importante para tentar responder as primeiras perguntas que vêm à cabeça: seriam esses homens travestis, transexuais, crossdressers (CDs)? Querem "virar mulher"? E os que pedem para usar, seriam enrustidos, com problemas em admitir que curtem outro cara? A resposta para todas elas é "não necessariamente!"

Primeiras calcinhas

O sociólogo Nando Tavares, 38 anos, é adepto das calcinhas: "Tive um namorado com quem fiquei oito anos. Ele era bi. Uma vez, pediu para eu usar. Na época, eu fazia análise lacaniana e estava tratando da minha relação com o feminino. Estava num ponto que descobri que podia brincar com essas categorias".

Tavares usa as calcinhas tanto para os parceiros quanto para si: "Eu curto usar, tanto que, às vezes, visto para trabalhar. Uso mesmo sem previsão de encontro". Para o sociólogo, trata-se de "uma categoria que está um passo antes da crossdresser".

Se for assim, Riccardo Navalha, 35, logo dará o próximo passo. Navalha ainda não usou calcinha, mas se exibe com meias 7/8 na internet, via webcam: "Estou num estágio evolutivo. Futuramente, quero virar CD, mas vai ser aquela coisa esporádica de balada. Quero ter a sensação de seduzir um homem como se fosse mulher".

Felipe Júnior, porém, discorda da comparação com as CDs, pois a história dele é outra: "Eu, por mim mesmo, não curto usar calcinha. Para eu curtir, ela tem de estar num contexto - no caso, a submissão. É aí que vem o tesão, porque estou usando pro cara como uma forma de submissão, da mesma maneira que ser xingado, levar uns tapinhas na transa. Fora dali, não uso, nem tenho vontade. Do mesmo modo, se um cara me xingar em outro contexto, leva voadora", brinca.

Jogo de calcinhas
Essa questão da dominação-submissão foi uma das mais recorrentes nas entrevistas. O jornalista João Sampaio, 40, gay assumido, é um dos que curtem ver um homem de calcinha: "Acho excitante. Destrói o mito de que calcinha é coisa de mulher. Há um mix de excitação, tesão e submissão que me deixa louco".

Ué, mas calcinha não é coisa de mulher? "Não existe coisa de mulher, a não ser a vagina - e mesmo esta pode ser fabricada. Os homens não usam por gosto ou pressão social. A submissão não está em mudar a imagem, mas em fazer algo que está na contramão da cultura. É uma forma de revolução", diz o jornalista.

Para o psicólogo e professor de filosofia Renato Z. Hoffmann, 29, o jogo de dominação-submissão de fato pode estar presente: "Se considerarmos apenas uma leitura clínica de interpretação do inconsciente, poderia afirmar que sim. Na fantasia, é manifesta toda a submissão: é prazerosa e sofrível, é humilhante e compensatória, apropria-se de todo um tabu do proibido em relação à prática assumida e em relação ao papel da mulher".

Calcinhas & Cia
Dominação e submissão também aparecem na história de Paulo Silveira, 34, outro gay assumido, que tem um relacionamento aberto de longa duração. Silveira adora efeminados e o namorado até já se vestiu de "panterinha" para ele: "Gosto da produção completa: calcinha, meia, baby-doll, vestidinho... E tem de gemer, falar fininho, ganhar nome, fazer cara de mulher, boquinha, batom... Se o cara for lisinho ou depilado, melhor".

Quando perguntado se isso não seria desejar uma mulher, Silveira, que é preferencialmente ativo, respondeu que, de certa forma, se trata de um "fetiche-tabu, porque mexe naquele estigma de haver um ativo másculo, que tem o papel de macho; e um passivo biba, que é a mulherzinha", mas que existe a "fantasia da ambigüidade. Não que você esteja penetrando uma mulher. Você está penetrando um homem que pode ser feminino. É diferente. Tem também o lance da estética. Fica bonita uma calcinha num homem. Valoriza o bumbum".

Já o gestor de processos Antônio Trevisan, 38, gosta do contraste. Para ele, quanto mais másculo for o homem que usa a calcinha - e outras peças -, melhor: "Gosto de ver o parceiro, com pêlos, usando as peças. Se ele tiver um corpo feminino, não tem o mesmo sabor".

Adepto do BDSM e dominador, Trevisan também vê um sinal de submissão no uso da calcinha, embora com outros olhos: "Dá uma sensação de humilhação, porque não é o perfil do parceiro. Pra mim, humilhação é a sensação de que você está fazendo algo que não quer fazer, faz porque é submisso. A sensação é a de que a pessoa não queria usar. Usou pra mim. Gosto de sentir isso".

Calcinhas superpoderosas
No entanto, dominação e submissão podem se ajustar de outros modos. "A calcinha me dá mais poder. Estou usando algo que as mulheres pensam ser exclusivo delas, seduzindo, tendo o mesmo poder. Estou mostrando ao homem que ele não precisa de mulher, que sou melhor. Eu só finjo que sou submisso, porque sou eu quem está no comando", diz o sociólogo Nando Tavares, que, de calcinha, nunca saiu com "gay, gay mesmo".

Essa "dominação da lingerie" pode ir além. Riccardo Navalha, que quer virar CD, assume-se preferencialmente passivo, mas curte dominar - e é em busca de parceiros ativos e submissos que ele vara noites na web. Até mesmo a suposta identificação "o que usa calcinha faz passivo", que podemos inferir a princípio, não é tão "certa" assim.

Felipe Júnior conta que, em suas andanças online, já recebeu propostas para transar com outro homem de calcinha. O outro usando a calcinha e sendo ativo. "Uma vez, até uma travesti ficou interessada. Ela dizia que adorava ser ativa com um gay passivo que usasse as roupas dela, mas achei que era muito pra minha cabeça", sorri.

Para Renato Hoffmann, na psicologia, existe "precedente" para isso também. "A linha existencialista, por exemplo, procura transcender uma abordagem tradicional. Ela fala do ser, que se completa em três momentos: o ser-em-si; o ser-no-mundo, que faz a cognição empírica do ser com aquilo que o abarca; e o ser-com-o-outro, a manifestação daquilo que se são seus significantes e significados. Nessa abordagem, não penso que caberia uma leitura de submissão. A figura assumida se porta como submissa, mas, na verdade, não é".

Além disso, continua Hoffmann, "a questão da submissão vem de uma dívida gerada pela cultura judaico-cristã e grega, na qual a mulher tinha um papel inferior - mas a história apresenta uma outra perspectiva de leitura: a de que a mulher tem um poder próprio e de que a sensibilidade feminina é fator de inteligência emocional".

Como se vê, há um sem-número de motivos, desejos, fantasias, interpretações e relações - até mesmo os problemáticos e/ou patológicos, que decidimos não abordar - que cercam o ato de um homem vestir calcinha e o fato de um outro homem gostar de vê-lo assim. E você? Já tem uma razão para pôr a sua?

** todos os nomes são fictícios, para preservar identidades.

Crossdressers, quem são?
Em si mesma, a palavra crossdresser pode indicar qualquer pessoa que se vista com indumentária do sexo oposto. No entanto, ela geralmente não é usada nesse sentido amplo, e ainda há muita discussão sobre quem representa.

O termo teria sido cunhado nos anos 70 por homens que às vezes se vestiam de mulher, mas negavam qualquer intenção fetichista, professavam uma identidade masculina, diferenciavam-se de travestis, transexuais e afins e eram heterossexuais.

De fato, muitas crossdressers são casadas com mulheres, que, às vezes, sabem de sua condição e as apóiam (denominadas supportive opposites) - mas existem aquelas que são CDs por fetiche mesmo (fetichismo transvéstico) e aquelas que se relacionam sexualmente com homens.

A CD quer que sua imagem seja a mais próxima possível de uma mulher real - e, claro, existe também o cross-dressing "ao contrário" (mulher se vestindo de homem).

* Matéria publicada originalmente na edição 9 da revista A Capa - dez/07.




Fonte: A Capa

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