segunda-feira, 20 de abril de 2009

Nas escolas, travestis são alvo de estigma e discriminação


Nas escolas, travestis são alvo de estigma e discriminação


Enviado por Elizabete Franco Cruz* -25/5/2008-9:39


A Parada Gay tem se configurado como uma festa da diversidade que tem um papel educativo e político: chamar atenção para as diferenças ligadas à sexualidade. Aproveitando a oportunidade, proponho que façamos uma reflexão mais aprofundada a respeito de como a sociedade em geral e mais especificamente os espaços educativos como escolas, universidades, centros de convivência lidam com estas diferenças.

Tomarei aqui minha experiência nas áreas de saúde e educação para problematizar episódios cotidianos que me levam a crer que ainda temos muitos desafios. Consideremos por exemplo a questão das travestis. Como são aceitas nas escolas, nos serviços de saúde, nas famílias e locais de trabalho? Nas escolas, com freqüência, são alvo de estigma e discriminação.

Nesta oportunidade focarei apenas o contexto escolar. Muitos professores e professoras recusam-se a chamá-las pelo nome com o qual estão identificadas. Assim uma Joana que recebeu um registro de João é chamada pelo nome de João e não pelo nome de Joana que para ela a representa e com o qual constitui sua identidade.

Os/as educadores dizem ter que seguir o que é oficial (o registro e o nome na lista).Mas qual o problema de chamar a Joana e colocar presença para aquele que é João na lista? A burocracia e o legalismo mal dissimulam a não aceitação de que os indivíduos podem ter identidades que não correspondem não somente a uma certidão de nascimento como também a sua herança genética (no caso, um corpo que é nomeado como de homem e que lhe dá um pênis).

Um simples ato cotidiano, como a chamada na escola, mostra o quanto vivemos numa cultura que não dá espaço para a diferença e que calca suas compreensões sobre as pessoas nos castelos conceituais de uma natureza imutável e determinante das relações humanas.

O uso do banheiro também é emblemático desta perspectiva calcada nos determinantes biológicos.Várias escolas confrontam-se com esta questão:afinal qual banheiro a travesti vai usar? Pouco se escuta seu desejo e quando se escuta há uma dificuldade de realizá-lo, porque meninos com freqüência não a querem no seu banheiro e meninas também não a querem.Familiares e professores muitas vezes reclamam. Diretoras/es diante da questão encontram diferentes soluções. Poucos abrem um diálogo com a comunidade e a muitos optam por sugerir a utilização do banheiro da direção.

A simples existência deste "problema" na escola já mostra que a travesti não é bem vinda, que sua presença é perturbadora de determinadas ordens estabelecidas.

No entanto, temos que pensar que contextos como estes trazem conseqüências. Em um evento para jovens, uma travesti de 18 anos pediu que eu a ajudasse a preencher a ficha de entrada no hotel. Queria que eu escrevesse seu nome! O que acontece que alguém que teve acesso a escola sai da escola sem aprender a escrever o próprio nome?

A homossexualidade ficou conhecida como "o amor que não pode dizer seu nome", mas talvez tenhamos que levar a reflexão mais adiante. Ao discriminarmos a homossexualidade e todas as formas identitárias que fogem a um padrão binário, heterossexual hegemônico acabamos contribuindo para um holocausto cotidiano que tenta apagar a existência de toda e qualquer diferença. Mais do que um amor/desejo que não pode dizer seu nome, encontramos sujeitos que não podem dizer seus nomes.Nomes que lhes dão sentido de SER.

Talvez seja preciso que examinemos com mais cuidado episódios tomados como normais no cotidiano. Há uma expulsão silenciosa das diferenças na escola e as travestis estão entre aquelas pessoas que ao não encontrarem seu lugar vão saindo de um espaço que poderia justamente revolucionar o senso comum e acolhê-las e dialogar com sua diferença. Não localizei um índice de analfabetismo/escolaridade entre travestis, mas arrisco dizer que permanecer na escola para muitas deve ter sido um ato heróico.

Claro, a questão não está somente na escola e é uma questão da cultura, mas a escola tem um papel na transformação dos valores ligados às relações de gênero. As pessoas podem ser muito mais do que os livros de biologia e religião nos ensinaram.
É uma pena que todas as cores do arco íris não iluminem todas as almas a perceber que a beleza e a graça dos humanos justamente está na sua pluralidade. Enquanto isto não acontece veremos episódios cotidianos de injustiça, estigma e discriminação em última instância a violação de direitos humanos efetivada por aqueles/as que se consideram mais humanos do que aqueles que são diferentes de si.

Enquanto isso vamos fazer a caminhada com gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, trans-gêneros, qüeers, heterossexuais, aqueles que não querem se dar nomes e quem mais quiser se juntar ao grupo daqueles que acreditam que é possível inventar um mundo mais plural,digno e humano.

*Elizabete Franco Cruz é psicóloga, doutora em educação e professora da Escola de Artes Ciências e Humanidades da USP


Fonte: O Globo


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