quinta-feira, 23 de abril de 2009

"A mídia só mostra o lado da prostituição", diz trans Lili Anderson, vice-presidente da ABGLT

"A mídia só mostra o lado da prostituição", diz trans Lili Anderson, vice-presidente da ABGLT
Por Marcelo Hailer 29/1/2009 - 18:15




No dia Nacional da Visibilidade Trans nada mais justo do que dar voz àquelas que tanto têm se articulado na busca pelos seus direitos, reconhecimento e inserção social. Hoje, o Brasil inteiro comemora tal data.

Para tanto, conversamos com Lili Anderson, 34, vice-presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT) e presidente da Associação de Travestis e Transexuais do Estado do Espírito Santo (Astraes).

Há oito anos atuando com o ativismo político, Lili iniciou a sua trajetória em uma vila de pescadores em Itaúnas. "Foi onde assumi esse papel político", conta. Na entrevista, ela analisa a postura da mídia a respeito das trans, que considera "hipócrita" e fala ainda sobre o movimento LBGT, ensino público e nome social.

Desde quando você atua com política?
Atuo há oito anos.

Por que resolveu entrar no meio do ativismo?
Entrei através de uma vila de pescadores onde eu morava no estado do Espírito Santo. Lá comecei a assumir esse papel político, na Vila de Itaúna. Comecei pela Ong do Betinho e passei por outras ONGs, e assim fui me empoderando politicamente.

Como é possível fazer com que transexuais e travestis permaneçam na escola?
Isso varia de região para região. Nós lutamos contra a questão da discriminação e o que faz a gente tocar esse trabalho é uma conscientização: a partir do momento que nós temos trans no cenário nacional político e nos estados e municípios, isso já faz com que as outras tenham uma forma de pensar não só de rua. Começam a socializar a vivência, estar mais presente dentro da sociedade.

Recentemente tivemos notícias de duas transexuais: uma cursa mestrado e a outra doutorado. O que você acha disso?
É uma posição maravilhosa. Para nós dá uma visibilidade muito legal. Porque temos uma vereadora em Nova Venécia, que é a Moa. No ano passado, ela era a presidente da Câmara, esse ano ela é novamente. Temos também professoras aqui no Estado do Espírito Santo que são travestis. A partir do momento que a gente vê e as outras começam a enxergar que tem alguém ocupando aquele espaço e lutando por ele, elas [travestis e transexuais] começam também a buscar isso na vida.

Ainda falta visibilidade para essas outras histórias das travestis e transexuais?
Sim. Infelizmente a mídia é muito perversa, ela não da espaço para falar quem está hoje no quadro político, no quadro nacional, dentro da área de trabalho. Quando a gente pega esses programas de televisão, eles mostram apenas o lado da rua, o lado da prostituição, mas não mostram o lado que a garota pode estar em outro mercado de trabalho. A mídia contribui muito com essa visão, por exemplo: o dia da Visibilidade Nacional Trans, poucos jornais colocam essa visibilidade, não coloca o porquê dessa marginalidade, que é uma questão de política pública, pois elas não tem uma assistência direcionada. Se você pegar o trabalho de assistência social, eles vão para a rua conversar com os meninos de rua, mas não analisam a questão da travestir menor de idade, que está na rua sendo usada pela prostituição. Isso é uma coisa no quadro nacional muito crítica e que passa despercebido pela sociedade o tempo todo e também da área acadêmica.

Por que existir o Dia Nacional da Visibilidade Trans?
Foi através da ANTRA (Articulação Nacional de Travestis e Transexuais) com o programa nacional de prevenção, onde aconteceu a primeira campanha e deu uma visibilidade muito grande para as travestis e transexuais. Então, no dia 29 de janeiro, foi lançada a campanha em um workshop, que foi levada para vários estados com a cara das meninas. Lançamos a campanha na área da saúde e da educação. Na época, discutimos a questão dos banheiros, do nome social dentro das escolas na área da saúde. Porque antigamente as pessoas da saúde não chamavam as meninas pelo nome social, hoje eles têm esse compromisso social. Na [área] de educação também.

O que é ser trans no Brasil?
É muita coragem, muita luta, dar a cara a tapa para essa sociedade que é medíocre. Infelizmente, na época de campanha política, todos percebem que nós somos cidadãos, mas depois que passa essas questões as pessoas esquecem da gente. Matamos bicho todos os dias, que é diferente dos gays né? Não desmerecendo os homens gays, mas a partir do momento que nós [transexuais e travestis] levantamos e temos um compromisso com o dia-a-dia, já sabemos o leão que temos que engolir em cada esquina e em que cada rua.

Tem aquela história de que as trans não têm como se esconder no armário...
Não mesmo, porque a nossa identidade está na cara. Ela pode estar barbuda, mas está com o peito dela, com a prótese... e aí por diante. Então, ela tem uma visibilidade e identidade muito grande. E isso já traz um preconceito. O assassinato ligado à transfobia ainda é muito grande.

Acredita que ainda nesse governo a homofobia será criminalizada?
É um sonho, mas eu não acredito. Existe uma bancada evangélica muito forte, eu faço muita crítica a isso. Tem o Magno Malta, é assustador pra mim, ele fica contra o PLC 122 [projeto de lei que criminaliza a homofobia] e aqui no Estado as representantes do partido dele são as travestis! Não dá para entender. A Moa, por exemplo, ela é presidente do partido (PRB) dele, nós temos a Linhares que também é do partido dele e a Vitória que é presidente também. Elas acabam sendo usadas e não percebem. Eles misturam a questão da cidadania com fundamentalismo religioso, isso é um problema grave.

Você é vice-presidente da ABGLT, qual a sua opinião em relação ao movimento LGBT brasileiro?
O movimento tem alcançado muitas vitórias. Quando a gente compara com algumas décadas passadas, vimos que hoje avançamos em muitas questões, por exemplo, a Conferência Nacional GLBT, os congressos que a ABGLT tem realizado e até mesmo a ANTRA com o ENTLAIDS, pois estamos no 15º ENTLAIDS e hoje as meninas tem uma discussão política. O movimento tem a sua fragilidade, mas também tem os seus méritos como qualquer outro movimento.

Qual fragilidade você apontaria?
Não posso falar pelo movimento nacional, mas no meu Estado vejo uma fragilidade: são poucas pessoas que estão a fim de discutir e que são da luta. Cada um fica na sua, querendo fazer o seu papel particular, falta união para todo mundo sentar e conversar questões em conjunto para ficarmos fortalecidos. Agora, se cada um começa a falar de forma diferenciada, a política se enfraquece. Recentemente, o Governo do Estado do Pará baixou portaria onde permite as escolas públicas matricularem as trans com os seus nomes sociais.

Acredita que essa medida será aplicada?
Acredito.

As escolas e os educadores estão preparados para essa demanda?
Acredito que sim. Depende de algumas escolas, porque hoje nós temos grupos universitários que estão discutindo a diversidade sexual.

Mas e o colégio público, na periferia do seu Estado, está preparado?
A periferia está mais sensível do que as escolas particulares, por incrível que pareça. Temos parceiros na periferia que é o movimento da juventude e temos o pessoal do hip hop, que era um grupo muito fechado e hoje ele também está discutindo as questões da diversidade sexual.


Fonte: A CAPA

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