Sabado, 7 de Junho 2008 - 20h1
Homens com alma de Madonna
Simei MoraisMICKELY MOON Para o show de “Beyonce”, espera pelo cabeleireiro
Depois de toda a maquiagem pronta, virou o rosto com as pestanas enormes. Eram 15 cílios postiços colados, em cada lado. Aquele momento parecia o ponto de transformação em que o franzino Leandro Rodrigues, 22, passava à sedutora Sandyra Fraw, a drag queen que ficou famosa por ter ficado pendurada no semáforo, na parada gay do ano passado, em Ribeirão Preto.
“Ai, eu me desequilibrei em cima do trio elétrico e segurei no semáforo. De repente, o carro foi e eu fiquei”, justifica, enquanto arruma os peitos feitos de arroz sob o sutiã tamanho P.
Levou uma hora e meia para se “montar”. Nesse tempo, compartilhou o camarim da boate GLS Slave com dois go-go boys que não paravam de se olhar no espelho, flexionando os braços bombados. Uma go-go girl, um travesti e a drag Mickely Moon também dividiram o espaço. Mas só o espaço. Porque top drag, classificação de Sandyra, não sai na mesma foto com outra drag.
“Há muita disputa de ‘strass’ entre as tops”, diz Albner Valentino, 33, que há nove anos dá vida à drag queen “clássica” Susi Ferrari.
A diferença entre as tops e as clássicas é que as primeiras são mais sensuais e se restringem a usar o salto alto no meio gay. “A clássica faz uma linha mais palhaça, sem esconder os músculos de homem”, explica Valentino, que fatura R$ 500 a hora em eventos de público heterossexual, com sua caricatural Susi.
A semelhança entre os tipos, diz Valentino, é a de vestir-se de mulher e fazer dublagem de música.
Top ou clássica, o fato é que o cenário está se ampliando. Não se sabe quantas drags existem em Ribeirão, mas há novas “caras” por aí. Assim que Sandyra sai do camarim e desfila no meio da boate, três drags juvenis surgem do escuro e badalam a loira. “Aaaaaahhh, maravilhoooooosa”, dizem, em altos decibéis. O mercado das drags foi além das fronteiras do que se chama de “gueto”, declara a antropóloga Ana Vencato, de São Paulo.
Elas fazem sucesso porque brincam com o imaginário social, aponta. “As drags desafiam os valores institutídos, questionam o significado da fama, do poder”, comenta. Não é difícil Susi, com uma voz mais adocicada, falar à platéia masculina que não consegue namorar. “Quando eles falam ‘eu quero, eu quero’, eu respondo ‘o problema é quando eu digo agora é minha vez’”, brinca Valentino, com voz de machão. Tops e clássicas brincam também com personalidades como Madonna, a inspiração máxima do meio. “Tudo é poder, glamour”, diz Sandyra.
No dia em que flagramos o “nascimento” de Sandyra, Mickely Moon, personagem de Danilo Certório, 22, estava “semipronta” para fazer o show dublando a americana Beyonce. Duas horas depois, ela dançaria com direito a muitas rodadas de cabelo. Top que é top, “dá força na peruca”.
‘Atenção, people: drag queen não é travesti’
Há muita diferença entre o mundo das drags (exagero, em inglês), e dos travestis, alertam as drags. Há gay que se veste de drag, mas não é impossível encontrar um pai de família que sobe nas tamancas para fazer um show.
“As drags são artistas performáticos, e não têm a mesma interferência corporal que os travestis”, diferencia a antropóloga Ana Vencato.
Para a transformação, eles gastam até duas horas, investem em perucas (a alma das drags), cílios postiços, saltos de no mínimo dez centímetros e muita base para o rosto.
“Entro nas lojas e peço para experimentar as roupas e os sapatos. Onde não me conhecem, os vendedores se divertem”, conta Leandro Rodrigues, “dono” da Sandyra.
Albner Valentino, que faz a Susi Ferrari, faz questão de mostrar que é homem para o público. Fala com voz normal e até mostra os peitos de espuma para quem flana na dúvida.
“Já fiz isso para senhorinhas e algumas crianças, quando elas vêm e falam ‘tio, meu pai falou que você é homem’. Eu digo ‘sim, eu sou homem vestido de palhaço. Depois vou para casa e tiro essa fantasia”, relata.
Fonte: Jornal A Cidade
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